quarta-feira, 9 de março de 2011

ENCENAÇÃO: O TEATRO, O CINEMA E O FORA DE CAMPO


Um dos aspectos da encenação de UMA FERIDA ABSURDA que nos parece importante salientar é o uso de um recurso comumente utilizado no cinema- o fora de campo, - que diz respeito a toda a ação que ocorre fora do campo de visão do espectador - que, aqui, é utilizado sempre que a personagem OUTRA se refere ao casal, visto por ela do outro lado da plataforma de embarque.
Misto de projeção (o casal nos remete à própria personágem e ao homem com quem viveu) e rompimento do espaço/tempo da representação, o recurso utilizado por Sonia Daniel - autora do texto - vem de encontro ao nosso desejo de fazer uma arte, cujo elemento primordial seja o estímulo do uso da imaginação por parte do espectador–“um teatro que não mostra, mas faz ver”.
Os códigos de representação são, portanto, reinventados a partir da pesquisa realizada pela Cia. desde 2008) cujos pressupostos se baseiam na quase imobilidade–os movimentos dos atores em cena nunca ilustram o que está sendo dito– e na palavra como elemento capaz de criar miríades de imagens na mente do espectador.
Apersonagem N presentificada através da projeção de imagens, numa proposta de explicitar o diálogo entre o teatro e o cinema (uma das referências mais marcantes da peça, tanto do ponto de vista textual quanto estilístico) e conferir-lhe um aspecto diáfano e distante, simbolizando a perda da inocência e da pureza– a infância perdida- na vida dessa mulher.
Os cenários e figurinos -extremamente minimalistas - obedece um dos princípios do nosso trabalho: é o ator que, a partir de seus recursos vocais e de sua presença absoluta, deve ser o elemento fundamental do teatro– a arte e o espaço que privilegiam o encontro entre os homens com o mínimo de intermediação tecnológica possível.

Um comentário:

  1. Ferida Absurda, um título apropriado para a representação que assisti em ensaio aberto. Mexe com a imaginação, emociona e penetra no inconsciente coletivo, onde frustração, desesperança e sofrimento fazem parte do núcleo interior do indivíduo, o si mesmo do conceito junguiano. O texto só poderia ser mesmo escrito por uma mulher. Sonia Daniel demonstra segurança em expor feridas do universo feminino sem chegar a ser piegas. A montagem minimalista reforça a força da representação das atrizes Monaliza Marchi e Sulivam Sena, que na sua postura estática, auxiliadas pela intensidade do olhar e pela voz, estimulam a imaginação, e fazem a platéia “viajar” pelo espaço e tempo.
    Parabéns a César Maier e ao elenco.

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